O Flamengo viverá mais um dia agitado na sua política interna. Depois de deliberar sobre a manutenção do título de grande benemérito do ex-presidente Kleber Leite, agora é Eduardo Bandeira de Mello quem está ameaçado de punição — só que uma ainda mais grave. O também ex-mandatário terá a exclusão do clube votada pelo Conselho de Administração nesta segunda-feira, a partir das 19h.

A proximidade do julgamento levou sócios do Flamengo a propagarem um manifesto contra a punição e com um pedido de paz que tem gerado bastante adesão desde o começo desta semana (confira a íntegra abaixo).

O motivo da possível punição de Bandeira é uma declaração dada no ano passado, em que ele afirmou que, se ainda fosse presidente, a tragédia com os dez jovens da base não teria ocorrido em fevereiro de 2019, quando Rodolfo Landim já estava à frente do Flamengo.

— Se eu ainda fosse presidente, tenho quase certeza que não teria acontecido o incêndio. Fiquei lá seis anos, e não aconteceu nada. O que aconteceu ali, eu já não estava mais lá, e sinceramente não sei qual foi a causa. Mas espero que o MP chegue à verdade. Porque é muito desagradável se ter inocentes sendo acusados de maneira totalmente injusta. Um deles sou eu — declarou Bandeira na ocasião.

A situação gerou reação da diretoria atual. Logo depois, o grupo político Vanguarda Rubro-Negra, baseado em dois artigos do Estatuto do clube, o 24 e o 49, deu entrada com o pedido de inquérito contra Bandeira por conta da sua opinião. O 49 prevê suspensão de 360 dias ou eliminação do quadro social, por “Veicular expressões desonrosas, por qualquer meio de comunicação, contra o FLAMENGO, ou os membros de seus Poderes, em campanha eleitoral, ou em razão de suas funções”.

Apoiadores de Bandeira sinalizam que a comissão de inquérito criada para dar um parecer sobre o caso no Conselho de Administração é toda formada por figuras aliadas da gestão Landim e contra Bandeira. Entre eles, Túlio Cristiano Machado Rodrigues, presidente da Comissão e primo de 1º grau de Landim. Os demais membros são Eduardo Carreirão (membro que já assinou outra representação contra o Bandeira) e Marcelo Fraga de Oliveira.

Túlio já havia entrado com recurso para retirar o título de grande benemérito de Kleber Leite. O também ex-presidente, recentemente absolvido do pedido de cassação do seu título de Grande Benemérito, saiu em defesa de Bandeira em seu blog.

— Querer punir em primeira instância um ex-presidente – o tornando inelegível, para depois, quem sabe, alijá-lo do clube – é um plano diabólico, arquitetado por gente que pretende se perpetuar no poder. E o que fez Eduardo para provocar tanto ódio e revolta? Uma declaração, retirada do contexto, onde afirma – e é verdade – que enquanto ele esteve na presidência, ninguém morreu no Flamengo. Pergunto: Isto lá é motivo para se tentar expulsar do clube alguém que só nos fez bem?, diz um trecho do seu texto, que revela que Bandeira não virá candidato no pleito de dezembro.

O próprio Bandeira postou um vídeo em que agradece ao apoio dos sócios.

— Venho recebendo manifestações de solidariedade. Tenho certeza que tudo vai dar certo. Não é a primeira vez que isso acontece comigo. E tenho certeza que mais uma vez os conselheiros vão decidir com isenção, e vai dar tudo certo.

O grupo Fla, Tradição e Juventude também emitiu uma nota de solidariedade em seu site. O texto é assinado pelo Desembargador Siro Darlan e cita o artigo 5 da Constituição Federal, que prega a liberdade de expressão.

— A lei define uma associação como uma união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. Ultimamente, sobretudo nesse ano eleitoral, o Flamengo tem sido atingido em sua alma por ataques de ódio a essa união, diz um trecho.

Em março deste ano, seis ex-presidentes do Flamengo divulgaram uma nota de solidariedade a Eduardo Bandeira de Mello depois que o ex-presidente foi um dos indiciados na investigação sobre o incêndio no Ninho do Urubu. Os signatários da carta foram Eduardo Motta, George Helal, Hélio Ferraz, Kleber Leite, Luiz Augusto Veloso e Márcio Braga.

Leia o manifesto:

O Flamengo pede paz

O ex-presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello encontra-se sob ameaça de injusto processo, que pode resultar em sua SUSPENSÃO do quadro social do Clube, do qual faz parte desde 1978. Diante da gravidade desse fato, nós – associados, torcedores,amigos e admiradores de seu trabalho pelo Flamengo – tornamos público o seguinte manifesto:

— O Clube de Regatas do Flamengo é motivo de orgulho para seus associados e seus milhões de torcedores, gente de todas as cores, de todas as classes e de todos os lugares. Um Clube que há 125 anos sintetiza o Brasil, com uma trajetória marcada por grandes conquistas. Hoje, o Flamengo vive um dos melhores momentos de sua história: saudável economicamente, retomou o caminho das grandes conquistas.

— Durante seis anos (2013 a 2018), coube a Eduardo Bandeira de Mello estar à frente da gestão. Nesse período, o Flamengo passou por importantes mudanças, incluindo uma profunda reestruturação administrativa e financeira, que colocou o Clube em outro patamar. A Administração, marcada pela lisura, passou a ser apontada como padrão a ser seguido pelos demais clubes brasileiros. Agora, para a surpresa de todos, encontra-se em curso um processo que pode culminar com a exclusão de Eduardo Bandeira de Mello do quadro social do Flamengo. A partir da iniciativa de um pequeno grupo de associados, os Membros do Conselho de Administração foram instados a deliberar sobre um pedido de suspensão dos seus direitos políticos. Qual teria sido a grave infração cometida por Eduardo Bandeira? A manifestação de opinião em entrevista para um veículo da imprensa.

— Ao longo de sua história, o Flamengo e seus associados criaram mecanismos de governança que permitiram a convivência de pessoas de diferentes origens e estratos sociais. As eleições no Clube sempre foram festas da Democracia, momentos em que as diferentes visões eram submetidas ao voto. Fechadas as urnas, apurado o resultado, os acalorados debates tornavam-se coisas do passado, e o futuro do Clube virava a prioridade de todos. A conquista do poder nunca foi vista como instrumento para perseguições ou vinganças contra adversários. Pois essa tradição de convivência democrática pode ser quebrada com a suspensão de um ex-presidente do Clube, cujos serviços prestados são reconhecidos por todos. Seu “crime” teria sido a livre manifestação de sua opinião para um órgão de imprensa. Temos, então, uma Instituição como o Flamengo prestes a conspurcar dois pilares do Estado Democrático de Direito: a livre expressão do pensamento e a livre atuação da imprensa. Um precedente que pode, no futuro, fazer com que dirigentes do Clube passem a evitar contatos com jornalistas, uma vez que estariam sob risco de punição. Isso resultaria em perda de transparência das gestões e de diálogo com os milhões de torcedores, espalhados pelo País.

— Uma punição ao ex-presidente Eduardo Bandeira, além de injusta, seria equivalente a um arbitrário exílio, um desterro que roubaria parte da sua identidade, já que o Flamengo é uma das maiores paixões da sua vida. Seria uma mancha na história do Flamengo. A partir do momento em que um ex-presidente pode ser banido sem ter cometido nenhuma ilegalidade, TODOS os associados estarão sujeitos a penalidades em função de manifestação de opinião, o que caracteriza censura. Quem ousar questionar, peticionar, protestar, reclamar poderá vir a ser vítima de um processo. E aí, acaba a democracia, e começa a tirania.

Por isso, em nome da Democracia interna do Clube de Regatas do Flamengo, defendemos a absolvição de Eduardo Bandeira de Mello no processo que pode culminar com seu banimento. O Flamengo não merece ter essa mancha em sua história. O Flamengo precisa de PAZ.

Retirado de: O Globo